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LETRAS

Samba Castiço     
Rodrigo Lessa, Eduardo Neves e Mauro Aguiar

Vem amar de corpo inteiro amor

Entenda amor

Todo amor de verdade

Traz felicidade e impede a dor

que vem da vaidade.

 

Mas se amar assim te ofende amor

Me pede amor

Que eu suspendo a metade.

A felicidade espera o amor ficar à vontade.

 

Quando a sede vem do coração

Muita gente perde o chão e a razão

Mas o amor que quer ir mais além

pondera o que convém

E jamais se desespera

ao dar seu tempo ao tempo:

 

E deixe o nosso amor ao relento

E deixe se criando por dentro

Cê sabe bem que quando for o momento, tem.

 

Me beije e não se fala mais nisso

E deixe que eu me viro do avesso

Acho que meio amor é um grande começo, vem

 

Não carece precipitação

Quem tem pressa perde a mão da paixão

Todo amor só vai ao longe

quando não quer ver o fim

Mesmo assim inacabado

sempre é cem por cento!

 

E deixe o nosso amor ao relento

E deixe se criando por dentro

Cê sabe bem que quando for o momento, tem.

 

Me beije e não se fala mais nisso

E deixe que eu me viro do avesso

Acho que meio amor é um grande começo, vem

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Muda – Mendanha
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Samba lá na Muda é quando Deus ajuda

E que ele nos acuda pra facilitá

Samba no Mendanha é quando o dêmo apanha

E lanha o couro à unha pro coxo sambar.

 

Samba na Muda é quando o surdo

descompassa o passo

E até São Pedro vem fazê chover

Fora da hora de lavar

Pra vê se a tromba dágua acaba logo o fuzuê.

 

Breque no meu tamborim,

ai de mim! ai de mim!

Muda, mas nem tanto assim;

requebrado em patim!

 

E no berço do samba, Cartola chora

Rebate: - eu vou mimbora, já virei do avesso

Agora diz ao povaréu, que eu vou pro céu

Cantar "Rosas não Falam"

pra Nossa Senhora e Noel

 

Pra desanuviar, divagar, divagar

Na Muda eu vou descompassar,

vou quebrar meu fuá.

 

Cuíca que descamba, gemendo implora:

- Tô numa corda bamba - chama o repinique

- Nesse pique eu vou pra lama e o noves-fora

É a corda da caçamba rebentá na hora do ...

 

Samba lá na...

 

Lá no Mendanha quando o surdo

segue o seu compasso

A serra inteira quer estremecer

Numa pletora de abafar

O morro vem sambar

gingando ao som do bangulê.

 

Mote pro meu cavaquim,

deixa assim, deixa assim

Bate o pé virabrequim,

jongo bom pixaim

 

Pandeiro se esparrama e o couro estira

Tambora que proclama: - Nessa madrugada

A mulatada toda inflama e acorda gira

Na serra a gente bamba vive a ziguizira do Samba .

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Subentendido
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Se eu disse coisa com coisa

Fica aqui subentendido que eu não soube dizer.

Pois o que me deixa prosa

É essa coisa fabulosa de se desentender.

 

Ao dizer coisa com coisa

A gente cava a cova rasa do mistério de ser.

Onde a coerência pousa

Nada brota em volta

ou nasce um pé de “como-porque?”.

 

Acreditei nessa conversa mole

Que era preciso tudo explicitar.

E quase o sonho todo me escapole

E o algo a mais que impele à frente

se desfez no ar.

 

Hoje é que entendo que o rascunho escolhe

E no desvão do redemunho

o sonho surge gole a gole

E nessa hora santa enganadora

Quanto mais eu me emaranho, mais olho de fora.

 

Não quero cuspir no prato

Mas do tal fato, do concreto,

Do correto

Eu corro até desmaiar!

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Valsa Vesperal  
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Na véspera do amor

Reverberava ainda um sol vulgar,

Pelo ar um inimigo rumor

E ao redor cristais de azar.

Me bastava estar ali feito ignara flor.

 

Até que o amor baixou

Feito um “donwload” ou orixá, sei lá!

Quis guardar o meu insípido humor

Em qualquer desvão do olhar,

Mas amava a esmo e mesmo sem saber amar.

 

é bem verdade eu levo um tempo enorme

Até me permitir

A pressentir

O vendaval vir.

E a lógica do hoje se desfaz no ar;

E a jóia rara emerge como um colibri;

Mas já não há mais jeito de me recompor:

Pois esta tarde eu sem pensar

recoloquei ao meu dispor

O amor de véspera na véspera do amor.

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Naus de Vento
Muri Costa, Matheus Von Kruger e Mauro Aguiar

Ver arder o mar

E ainda assim

ao mar

me dar,

ir sem me enfadar

vela enfunada e alma em fuga além

do longo azulejar

que todo mar ensina ao céu

sal e fogaréu

e eu mar à dentro invento o tal momento

de alçar a voz

cortar os nós e navegar

mesmo ardendo o cais

o meu amor veleja em naus de vento!

 

Ver arder o mar

No vão sem fim

Do teu

Olhar,

e vencer o mar

nunca por mim mas sempre a fim de ouvir teu sim

aos meus sinais

e em tuas margens aportar

Leitos, litorais

e eu terra à dentro enfrento o amor que sinto

tento achar a foz

atar os nós e ancorar

mas não tenho paz

pois teu olhar se perde em naus de vendavais.

Pimenta na Pupila        
Rodrigo Lessa e Mauro Aguiar

Paramentada ele abandona a toca ( ai ai )

Centrifugante numa saia justa

Vai se livrar do mal da vaca-louca ( ai ai )

Tirando a teia do capô do fusca.

 

Entrou na faca faz uma semana

Agora curte a fama

Gemendo um mantra a dita arromba a rumba a mil

Escracho de banana!

E ai de ti quando o calibre incuba ó meu!

Haja jogo de cintura

Tu te segura que o curare dela é mel

Pimenta na pupila.

 

Ai ai me abana eu tô nublando a vista ( ai ai )

Se ela se encosta o meu liqüidifica

Eu nessa sêca ela fechando a pista ( ai ai )

Eu feito besta e ela sugando a cica.

 

Estica o couro de uma tumbadora

Aura de taturana

Alveja dois com seu olhar à meia luz

E depois sai de cena

Na toillete ela prepara o bote e faz

Como quem cava a trincheira

E quando não se espera a tal salpica mais

Pimenta na pupila.

 

Nego faz fila pra colar com a sacana

Marijuana pro nirvana e larica

A gente fica sem saber pra onde vai

De onde vem

Quem é quem

 

O cerebelo cai na coqueteleira

E o coração na coleção da balzaca

O sangue empaca e já não sabe se vai

Como quem

Cai do trem.

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Renata         
Fernando Temporão e Mauro Aguiar

Renata
Cadência mulata
Que fala na lata
O que pensa, relata
Onde é que ela está?

Renata
Que odeia bravata
Que segue na reta
Gingando catita
Olhando pra meta
Que sabe alcançar!

Renata
Que mata no peito
Sorriso perfeito
Que samba no jeito
De desacatar!

E a nata do samba
Na hora descamba
pra ver onde anda
Renata.
Onde é que ela está?

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Cantagalo  
João Callado e Mauro Aguiar

Já estou a par do seu revés

E isso que você fez

tirou de vez a minha paz.

 

Se você quis cortar o amor pela raiz

Fez muito bem, perdeu

Deu no que deu, seja feliz!

 

Agora é água e pão!

Agora é nunca mais!

Agora o mal não tem perdão!

 

Agora eu dei de rir,

Achei tudo de bom

Sobrar com o coração na mão.

 

Eu pensando aqui com meus botões

Elocubrei razões

Pra desculpar seu proceder.

 

Contras e prós, sei, tudo tem contras e prós

Os contras eu cantei

Mas pra os tais prós fiquei sem voz.

 

Pegar o elevador

Subir pra ver o mar

E nem de dar um chega lá!

 

A laje esvaziou

Que nem meu coração

E o Cantagalo não cantou.

Ávida      
Kristoff Silva e Mauro Aguiar

Eu me acostumei à ilusão

Desviando os olhos pra não me ver.

Grávida de sombra e de sofrer

Dei à luz

A solidão.

 

Hoje quero amar e perdi a mão do prazer,

Penso demais...

 

Meu espelho manda sinais,

Diz: “teu corpo é pura alucinação.”

Costurando lágrimas na voz

Sigo assim

Presa no chão.

 

Hoje revirando meu coração pude ver

Sonho demais...

 

Vejo o tempo passar por mim

Quero desesperar!

Rasgo o velho disfarce e aparece um desejo no meu olhar

Mas o amor, se vem ,

Pisa em falso e desfaz no ar.

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Na Mesma Moeda  
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Pra você desmilingüir

Basta eu vir te procurar

Mas eu volto só de vício você não faça nenhum sacrifício

Você não tem mais o direito de me perdoar.

 

Você podia ao menos me enjeitar

E me fazer sofrer

E devolver na mesma moeda

O que fiz pra você.

Me maldizer com a voz mais azeda:

 

Eu não te quero mais

Eu não te espero mais

Não te tolero mais

 

Dizer que enfim de mim não se apieda e a minha queda é o que te deixa em paz.

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O Draganjo     
Mário Séve e Mauro Aguiar

Foi andando no rumo de outro tempo que esbarrei num Draganjo curioso

Tinha o brilho dos olhos do tinhoso e a asa de um anjo em movimento

Eu parei pra mirar um só momento esse bicho tentaculado à vera

Mas de certo não pude ver quem era. Se era quase um açude eletrizado

ou o eco de um cânone passado ancorado na próxima quimera.

 

Anjo decaído

Dragão alçado ao céu

Quem sou eu no seu reinado?

Quem é você no meu cordel?

 

O Draganjo então fez um soluço, vomitou mil repentes num minuto

E um filme do Glauber meio puto atacando uma erva no alvoroço

E o riso do demo era um impulso ; e a lâmina quente do seu berro

Era quase a miragem além do erro. Era o drive da vida envenenado

Misturando som trash com xaxado e fazendo um baião de gás e ferro.

 

Anjo decaído

Dragão alçado ao céu

Quem sou eu no seu reinado?

Quem é você no meu cordel?

 

Nisso veio surgindo uma janela e outra dentro e outra dentro e dentro um sêlo;

E outra dentro do sêlo e um parabelo; E por dentro da faca outra mais bela;

E por dentro da lâmina a favela de janela em janela enchendo a renda;

Depois desse rendado outra fazenda povoada de túneis e saídas

Que abriam janelas noutras vidas onde a lei é viver de fresta em fenda.

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Pandemia
Mário Sève e Mauro Aguiar

Entre o sim e o não no altar

ouço um surdo soando macio

entre o delta e o leito do rio

um pandeiro

escondido entre o olhar derradeiro

e o primeiro suado arrepio

O apito de mestre fuleiro e a mulata no cio.

 

Entre o tapa e o beijo fatal

sinto o sangue azul do passista

entre o gelo e o olhar da conquista

Um enredo;

Entocado entre o grito de medo

E o segredo que não deixa pista

O meu samba que feito um torpedo

no mundo se arrisca

 

Entre o sal e o sussurro do mar

Um batuque de lata de cêra.

Entre o céu e a porta bandeira

Um atalho

Que começa num penduricalho

E termina na luz mandingueira

Que o meu samba derrama

na luz da manhã brasileira.

 

Entre o som e o silêncio total

Ouço o tempo que taquicardia

Entre o sonho e a alegoria

Um desejo

Que esse cálido negro lampejo

Não se apague depois da folia

E o meu samba se vá alastrando feito pandemia.

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Repleta  
João Nabuco e Mauro Aguiar

Vidas demais vivi

Em carne e osso, em sonho, em cena

Inaugurando ali

Em cada palco uma centena

De vidas que vivi sem pena, em suma,

A vida que a ribalta ensina:

Viva!

 

Amam viver em mim

Milhões de divas seminuas,

Ruas que não tem fim

E a soma de infinitas luas

Gravitam nas minhas retinas, apenas

Porque sou sempre mil pessoas

 

Plenas, boas, calmas

A morar em mim

Tantas almas

Desatadas

Salvas, palmas

arrancadas

Deusas várias

Habitando aqui...

 

... onde eu me descobri

nas contra-faces da persona,

basta buscar em si

que todas elas vem à tona

brincar a cada cena insana, por cima

de todas as razões humanas.

 

feras, fúrias, falas

aflorando em mim

minas d’água

encantadas

tramas, dramas

calam fundo em mim...

primas donas

calejadas

 

Vida de longe eu vi

que em carne e osso o sonho acena.

Lua Pós-lua         
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Lua acesa

luze-me

Lua alisa-me a asa da ilusão

Que eu zuno abduzido

Adeus! Adeus!

Ah! Deusa de isopor

Venha por meu pôr do sol à prova,

Lua cheia ou lua nova,

O seu dossel de sal é meu!

 

Lua que o céu produz a sós

Lua do arrebol

assaz antecipada

Arrebatando-me por nada!

Lua que me alicia

Dia é noite, noite é dia

Desliza-me essa azul beleza

Lua leia-me a certeza.

Lua, Lua pantanosa

Musa, musa me desguia!

Minha lua após a NAZA

Onde a nave repousou

cansada

Minha lua ozonizada

lua luz misteriosa

Só em ti me sinto em casa

E vou dormir de alma em brasa.

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Gênese
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

O âmago do Heitor               

Uirapurú

Alfredo carregou                

Mandou pro céu

Noel coloquial                    

Contou pro exú

E o cântico ancestral

Trouxe Ismael.                    

 

Na ácida nação

Tornou-se Ary                     

Luís fez agridoce               

No sertão

Embarcação de sal

Em Dorival                          

E o Tom fez a canção                   

Cair em si.

 

Francisco descobriu                     

Outra espiral

Que transmutou de vez

No gê do Gil                        

Caê camaleão                                

Descontraiu

Desconstruiu João            

no tropical.

 

Até que outro João            

Relampejou

E viu Ivan ter voz               

de vendaval

A cria de Luis                                 

Lacrimejou

E a Djaluz vazou                

no manguezal

 

Na ginga do tiê                   

Ponto final?

A ginga do tiê

Talvez farol.

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Chave de Cadeia     
Rodrigo Lessa e Mauro Aguiar

Tô caçando esse amor que negaceia

Serpenteia pela veia

Incendeia a sombra e o mar

Com um olhar que cambaleia

E a boca é desdentada e feia

 

Tô procurando a paixão de paranóia

Que me apóia na tramóia

Ela é joia à luz do olhar

Mas amar é uma pinóia a lambisgóia quer zanzar

 

Foge do estilingue a cambaxirra

Sobe ao ringue e só não cai de birra...

 

Amor de anjo torto

É porto que faz falta

Luzes na ribalta e o meu Maracanã clareia.

 

Gargalhada e drible em casa cheia

Da paixão que é chave de cadeia.

Faz um pé-de-meia e canta pra subir

Eu tô querendo alguém pra distrair.

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Volteio
Sérgio Santos e Mauro Aguiar

O amor não é desse mundo.
No fundo, no fundo
o amor é quando não há
mais nada em volta
e a gente volta o olhar,
não para o que não está
como quem se revolta,
mas para o que nos faltará
quando não houver mais volta.

Tresvarios  
Luiz Flavio Alcofra  e Mauro Aguiar

Tresvario é quando eu me vingo

da realidade doendo
da placa de vendo vou me despedindo
mas só recomendo pra quem chora rindo 
na hora que a vida diz não.
Tresvario e rasgo o contrato
Cuspo marimbondo no prato

e vou comer no chão.
De mim mesmo escapo
Isso é tão normal e nunca me fez mal
Tresvario é na contramão.

 

Tresvario é quando eu mergulho

no espelho atrás do meu ego
E só acho orgulho, um orgulho cego
Mas vou remexendo nesse negro entulho 
e acabo encontrando algo além
Tresvario e pago meu preço 
Fico sem ter fim nem começo

e vou por mal ou bem
De mim me despeço
Quem nunca viveu esse momento vil?
Tresvario é não ser ninguém!

 

Tresvario é quando escangalho,

abro um talho mostro a gengiva
Tardo mas não falho, canto em carne viva
Mas não me atrapalho com essa voz ativa 
na hora que a diva diz não
Tresvario e mando na lata, 
e no mata-mata a mulata

vem comer na mão
E não desengata.
Que bateu-valeu é dom que Deus me deu.
Tresvario é farol no breu.

O Salto                                                    
Edu Kneip e Mauro Aguiar

No picadeiro da praça ele surgiu

Seguiu no ponto a rotina à risca.

Malabarista do asfalto, e alguém previu:

- Lá vem o salto em que ninguém pisca.

 

Marcou seu ponto com cal

Se benzeu, ai valei-me Deus!

Quatorze facas no ar

Aro em flor: - Deixa ver, vai saltar!

 

Estende o chapéu no chão

Suspende a respiração

Seu coração custa a crer

Que o corpo pode voar.

Miséria que escolheu seu destino.

 

Afina o salto mortal

Mede o céu, guarda o medo e a dor

Seu show que vale um real

Começou - escorreu seu suor.

 

Transcende a aglomeração

Acende a revolução:

- Agora que eu quero ver

  Quem pode me acompanhar

  Quem pode o tempo esquecer

  Deixando a vida levar

  Quem pode o risco correr

  Só pra poder se arriscar...

 

No picadeiro da praça ele saltou

Voou, deixou na retina a risca.

Malabarista do asfalto, e alguém falou:

- Vê que tão alto é  um golpe de vista

Sua Ceia, Sua Teia 
Marcelo Caldi e Mauro Aguiar

Irremediavelmente

Tudo o que eu sou é seu,

Como um colossal banquete

Pra um serviçal plebeu.

 

Sou o seu prazer portátil

Inconsútil aos mortais, mas

Você me alcançou

Você pode mais

Sou sua

Nua!

Crua!

 

Creia em seu poder imenso

Todo esse milagre é seu,

Mesmo que o jardim suspenso

Espante o pigmeu.

 

Posso parecer difícil

Mas sou dócil como um cão, seu

Você mereceu

O meu coração

Meus sonhos

Senhas

Seios

 

Sei o que ofereço e peço

Pelo menos compaixão,

Pense no meu universo

Em seu olhar de anão.

 

Não sou tão inacessível

Você pode ter o céu, viu?

Você me vestiu

Rasgue agora o véu

E veja

Aja!

Finja!

Seja

Deus!

Guingando                                                
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Mago dos Oitis dedilha o sabiá

Fazendo feliz quem vem pra escutar

Som que pede bis

Tom que sai do ar

Dom que tem raiz

Sobrenaturando

 

Bruxo da canção chegou pra alucinar

Faz um violão chorão perambular

Som de carrilhão

Vem contracenar

Com blues e baião

Cordas cochichando.

 

Ginga de ganzá na voz de bem-te-vis

Samba do batá nas ruas de Paris

Cor de boitatá tirando raio-x

Pau-de-arara que escancara com a imperatriz.

 

Craque do bordão traz no patuá

Som de mil brasis, fusas de condão

Zanza de sacis, urro de arruá

Pacto com o cão, reza ao Deus dará.

 

Mago dos Oitis chegou pra enfeitiçar

Finge que não diz só pra desconcertar

Som que contradiz

Tom pra confirmar

Diz:"Fui eu que fiz

Ziguezagueando.

 

Bamba em Bagdá sambando flor-de-lís

Choro de piá que escapa por um triz

Ponto de orixá que o maracá bendiz

Coisa rara que me aclara a cor do país.

Dreams e Mentiras
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Bem que eu quis

Um musical da Fox pra nós dois.

Eu, você no falso azul vejo seu lindo olhar

E depois te convidar para dançar no céu

Vinte frases feitas

Mil fãs lá fora afoitas

E um mar de papel.

 

Bem que eu quis

Sapatear no teto com você

Ir de trem numa turnê new Broadway

bem convém

Mais depois Frank se mata antes do sol se pôr

Uma orquestra ataca atravessada

um fox-trot de isopor.

 

Dreams e mentiras

quase sempre se misturam

Amores eternos

os amantes sempre juram

Mas todo cuidado é pouco

quando o amante é duro

Vai devagar!

 

Um amor sincero eu quero sim

que vale ouro

Mas quanto que vai me custar?

Sai bem mais em conta

fazer clima de cinema noir

 

Bem que eu quis

No meu mustang você junto a mim

A cantar uma canção que surge assim do ar

E contar no porta-malas com uma banda a mil

Um coral desanda e enquanto a banda manda

seu som, ninguém viu.

 

Bem que eu quis

Quisse-me baby até o sol raiar

Mas a cena mais sacana

eu sei que vão cortar

Te levar num Night and Day

pra lá de Chinatow

Nossos nomes rodam pela tela

acompanhando o jornal.

 

Dreams e mentiras

quase sempre se misturam

Amores eternos

os amantes sempre juram

Mas todo cuidado é pouco

quando o amante é duro

Vai devagar!

 

Um amor sincero

eu quero sim que vale ouro

Mas quanto que vai me custar?

Sai bem mais em conta

fazer clima de cinema noir

Vem rodar!

Inominado                                           
Thiago Amud e Mauro Aguiar

Sou ou não sou um cão danado?

Adulo a dor, iludo o amor

alardeando um mar no olhar.

Mas a verdade é que mal sei

se o mar me inspira

ou me lacera.

 

E esse pavor que reverbera

é a dor de um cão lançado ao mar

entre a procela e o espraiar.

Mas a maldade é que não sei

se o cão se afoga

ou bebe a vaga.

 

Dia após dia a mesma agonia me esmaga.

Ninguém desconfia da minha apnéia aziaga.

Quem sabe é bom ladrar debaixo dágua?

Que língua irei latir na hora cega?

 

Sou ou não sou um cão que espuma

vigiador do ir e vir

entre o martírio e o souvenir?

Mas nessa idade eu já nem sei

se estou em coma

ou numa escuna.

 

Com mais um dia na minha carteira assinada

talvez eu consiga roer uma beira de estrada.

Será melhor viver num lar salgado

Ou ser pra sempre o tal inominado?

Inominado?

Um samba a dois
Eduardo Neves e Mauro Aguiar

Era pra ser só mais um samba a dois

Um samba a sós

A meia-luz

Nada que fosse além desse salão.

Um samba em paz

pra descansar a solidão.

Um samba assim: na pele a pele,

a mão na mão,

Aquela transpiração, depois, adeus.

 

Mas você não se eximiu

Fingiu dançar conforme a lira

E de lábia em lábia abriu-se o chão.

Dentro de cada novo ardil

Um outro ardil fazendo a mira

Outra mentira me adoçando o coração.

 

Aí, meu Deus do céu!

Meu coração me contradiz.

O samba acabou

E eu já quero bis.

 

Era pra ser só mais um samba e só

Mais uma vez

E adeus sem dó.

Nada que fosse assim sentimental.

Um samba e tal...

e a gente não se desse um nó.

Um passo a frente as vezes pode ser fatal

Então não me leve a mal,

mais esse e tchau!

 

Mas você não desistiu

Arquitetou outra investida

E desenvolto fez o seu papel.

Ante meu ene-a-o-til

Girou me prometendo a vida

E eu distraida sem saída entrei no céu.

 

Aí fiquei por lá

O mal quando está feito está.

O bis acabou

E eu só sei te amar.

Água Salobra                                        
Eduardo Neves e Mauro Aguiar

Meu coração parece até que te adivinha

Facão na bainha, aluvião

Luz do sol que na casa de farinha

Desenha aleluia ao rés do chão.

 

Minha certeza tem um quê de coisa viva

Uma casa caiada e a outra não

A cacimba roubada na saliva

Uma reza que lesa a escuridão.

 

Pela porta da frente a natureza

Riqueza de uma parede nua

Ecoa por todo quarto e sala

A fala de uma beleza crua.

 

Essa roupa que quara uma semana

Essa cama de palha inda vazia

Essa cria que mal nasceu, desmama

E uma lua que sai no meio-dia.

 

A vida franzina ensina grandezas:

A água salobra precisa do mar.

 

Meu coração parece até que se desfia

Friagem na laje, aparição

O feijão no fogão de alvenaria

Uma nuvem de areia em procissão.

 

É que a saudade quer o mel da maniçoba

A sombra do santo, a redenção

Um pedaço de nada as vezes sobra

O começo de tudo, intuição.

 

Pela porta da frente ...

...sai no meio-dia.

 

A vida franzina ensina grandezas:

A água salobra precisa do mar.

Feito à Mão
Mário Sève e Mauro Aguiar

Quem inventou os brasis?

Eis o xis da questão

Vento ventou quando quis?

Ou será que foi tudo feito a mão?

 

Lobos em delírio

Inventavam buarques nas ilhas jobins

Tâmaras cascudas

Cunhãs barrigudas de muitos darcys

Freires de senzala

Zanzavam na sala dos mil fatumbis

Tinhorões tinhosos

Cismavam ditosos hermetos sutis

 

Quem inventou os brasis?

Eis o xis da questão

Vento ventou quando quis?

Ou será que foi tudo feito a mão?

 

Se pelés reinavam

Em cândidos guetos do imenso país

Caribés de barro

Bebiam do escarro de negros afins

Radamés e rosas

Juntavam as prosas de dois curumins

Dorivais e Luas

Sonhavam andrades na velha Paris

 

Quem inventou os brasis?

Eis o xis da questão

Vento ventou quando quis?

Ou será que foi tudo feito a mão?

 

Corações, cacumbis

Quando Quis?

Orações, colibris,

Ou será que foi tudo feito a mão?

Criações, javalis,

Quando Quis?

Tubarões, tabariz,

Ou será que foi tudo feito a mão?

Comunhões, capilés

Quando Quis?

Cafundós, pirações.

Quando Quis?

Ou será que foi tudo feito a mão?

Olho Dágua                                             
Mário Sève e Mauro Aguiar

Reinventando a ribanceira

do meu córrego bravio

Crio em meio a correnteza 

o baixio em que me fio

Entre a margem da lembrança

e a voragem do vazio

Entre o rio que me avança

e a nascente que será:

 

Um mar profundo num olho dágua.

Um mar profundo num olho dágua.

 

No vau do tempo iluminado

(mero espelho em desatino)

Fino, inclino-me do medo

desaguando em meu menino.

Entre a lágrima afluente

e a vertente do destino,

O contínuo novamente

desemboca no que fui:

 

Um mar profundo num olho dágua.

Um mar profundo num olho dágua.

Calo da Lua
Mário Sève e Mauro Aguiar

Quando a lua rodou sorrindo

Ninguém imaginou

O roçar da prata no azul negro do céu.

Saltaram estrelas do atrito

Ouviu-se um grito na noite alta.

Entrou na pauta do matutino

Esse desatino:

A lua tem um calo!

Tem trabalhado até tarde!

A lua arde feito um sol a pino!

Mas ao menos para os olhos meus

O calo da lua é lindo

O calo da lua também é luz...

De Butuca na Cozinha                                                
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Ó!

Parece até que ela prepara o pirão

Com muita farinha pou(ca)

Tempera tudo com um batuque do cão

Dá maremoto na bo(ca)

Parece até que ela é que esquenta o fogão

Mal mete a mão na cumbu(ca)

E se a mulata tá catando o feijão

Tem nego só de butu(ca.)

 

Tem quem se apaixona pelo cheiro

Tem quem quer tratá-la à pão-de-ló

Um que vem tão só por causa do mocotó

Um pra ver debaixo do angu

Vem perequeté querendo o seu caruru

É, mas vira escravo de jó

Eu que como quieto quero crer no melhor...

 

Periga ela esquecer o filé

Na frigideira

E vir para o meu batucajé

De prato e faca

Aí garanto eu pago o couvert

Da quituteira

E assim que der a colher de chá

Já é!

Vou ter que encarar

O samba no pé

Do tempero dessa cozinheira.

 

Mas todo sonho desfeito é pó

Quer tirar leite de pedra

E quando o líquido azeda

Logo um mané te cutuca e tu fica um jiló

Acorda com a boca seca

Numa ressaca de uca...

 

Aí tu cai na moringa

Quando a pimenta te pega

Por culpa daquela nega lá

 

Aí tu chora pitanga

Enquanto a nega te nega

Refoga teu coração sem dó.

Uma Outra Lua
João Nabuco e Mauro Aguiar

Lembra daquele céu

Dentro daquele mar

Lembra daquele mar

acolhendo as estrelas das noites sem qualquer

luar.

 

Lembra da lua lá

Dentro de algum lugar

Lembra de me lembrar

Que um luar de luz neutra devia ser melhor

De olhar.

 

Mas lembra que tudo nasceu da sombra

por obra da lua nova

Da sombra...

Lembra que a treva  no amor alumbra

E cai como uma luva

Viva.

 

Lembra daquele breu

Lindo de admirar

Lembra daquele véu

Envolvendo dois vultos estranhos a voar

Em par.

 

Lembra que alvoreceu

Dentro do seu olhar

que desabei do céu

recolhendo as estrelas que iriam se ofuscar

de amar.

 

Mas, lembra que o mundo se ergueu da sombra

Vislumbra essa boa-nova

E prova

Entra, celebra sua penumbra

Que a lua do mar se eleva

Pronta.

 

Outro luar à contraluz

Outro luar jaz à mil pés

Lua que espera a sua vez

Pra deslumbrar ruas e reis

Lua por trás

de nós.

Canária na Área                                              
Kalu Coelho e Mauro Aguiar

Que aqui ninguém nos ouça

Ela vai de boca em boca parar em Roma

Na noite, no coro, no solo,

Na ducha, na chuva, no colo da fama

Ela vai botando a alma pela boca

 

Que aqui ninguém nos ouça

Mas a fera já está lá nas alturas

No trio, na vera, na rua

Na guia, no baile, na proa da banda

Ela sabe muito bem por onde anda

 

Carrega o compositor na garupa da garganta

Encanta seus bares encanta

a santa que adora subir no andor,

no andor...

E se a voz da dita cuja até que pega uma cor na praia

A canária solitária ensaia trancada no seu camarim

E quando ela vai à capela com ares de diva

Ali engravida de ouvido sua voz ativa

 

Será que ela vive de brisa?

Será que ela canta pra mim?

Será que ela me hipnotiza

E à guisa de cobra criada

Maloca na ponta da língua um veneno de moça

Que quanto mais me mata me dá força?

Maloca na ponta da língua um veneno de moça

Que quanto mais me mata me dá força?

 

Que ela bem aqui nos ouça!

Sambaqui 
Kalu Coelho e Mauro Aguiar

 

(O) Que é que o samba quer

que morde a língua mas não larga o pé? ( pois é)

Que que tanto faz que morre à míngua mas não sai do ar?

Que diz que não diz que nunca acaba de contar?

Que é que o samba atrai que eu não consigo desmanchar

A mandinga?

Qué que o samba tem que por um fio quer desencapar? Ôba!

Qué que leva e traz que todo mundo arrasta patuá?

 

Eu não sei, só vou saber

Que é que o samba é

Se batucar

O que o samba diz nem para pra pensar.

Quando o samba dá não para de brotar.

 

Com tanta poeira

Algo até pode escapar

Mas alguém quer me explicar...

 

(O) Que é que o samba diz ao pé da letra que não diz no pé, e é?

Que não tem vintém e tanto gringo quer patentear?

Que é que o samba quer multiplicando o candomblé

Que até fez um paralelepípedo cantar

Na curimba?

Que é que o samba tem que nunca para quieto em seu gongá? Oiá!

Cumé que é de paz se fala aquilo que não quer calar?

 

Eu nem sei nem vou saber

Que é que o samba é

Sem batucar.

Que é que o samba quis? Quem para pra pensar?

Quem que o samba crê que pode destronar?

 

Baixada a poeira

Algo até pode encaixar

Mas ninguém vai explicar

O samba,

O samba,

O samba...

Homem ao Mar  
Zé Paulo Becker e Mauro Aguiar

Quem me dera amansar o mar

Com uma bela canção praieira

E depois me lançar ao mar

Para amar a sereia

Que em noite de lua cheia

Não perdia por me esperar.

 

Mas me disseram que o mar

Jamais se deixa amansar por cantigas de areia

O mar não empresta sereias

O mar tem lá suas manias

Tem mais marés cheias que marés vazias

O mar pede as horas, quer os dias

De quem queira amar as filhas de Iemanjá.

Alma de renda,

o mar talvez se ofenda com as ondas

que a voz tenta imitar

Pois reza a lenda que

O mar só se contenta com oferendas

Que ele possa carregar.

E canções se desfazem no ar...

 

Pra se dar ao mar

Há que se tornar

Mar...

Parceria
Kristoff Silva e Mauro Aguiar

Amolecer a letra vã no vão do violão

Dar alma nova à voz refém da folha de papel

Como rasgar o véu?

Como encontrar o tom?

Vestir de vento um verso em si

tão pouco afeito à fala?

Manusear a emoção com laivos de artesão

Enovelar o novo e o não em cada decibel

Como romper o chão?

Como lançar ao céu

Essa palavra envidraçada que não me dá trela?

 

Só se eu fizer pra quem tem

O dom de traduzir bem,

Como convém, minhas entrelinhas.

 

Só se eu fizer pra você

Que canta ao bel-prazer

E gosta de me lamber a cria.

 

Escapulir para um desvão que a redondilha abriu

E por um fio puxar um fio que sirva a um assovio

Como colher a flor?

Como ser tão sutil

E elaborar uma ilusão enquanto escalo escalas?

 

Só se eu fizer para a voz

Que sabe desatar nós

Como quem faz isso todo dia.

 

Só se eu lhe der a canção

E junto meu coração

Para adoçar nossa parceria.

Claudicantes 
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Ontem, Bonnie e Cleyde em clima de affair

Hoje, caos e contradição

Clows

Clarivendo um verão qualquer

Imploro compaixão

Seu fecho-eclair não quer

Não explode, a paixão implode de aflição.

 

Ontem clones caminhando ao luar

Clandestinos num vil vagão

Nós

Cicerones do dom de amar

Closes de um dramalhão

Televisão do olhar

Qual lewinskis quando encontram clintons num salão.

 

Sou mesmo um sentimental

O tempo foi mais cruel

Eu me acostumei plural

Acordei num quarto de hotel.

 

Hoje em videoclipes somos dublês

Claudicantes em combustão

Nós

Reclinamos em vãos clichês

Plenos de hesitação

Nublados de talvez,

Love story que já se recolhe ao coração.

 

E ficou tão down meu edredom.

Automotivo      
Kristoff Silva e Mauro Aguiar

Deus do aço e da fumaça

Vê se atende à minha prece

Vê se entende a minha pressa

Dentro dessa couraça

Que todo ano eu refaço

Que todo ano eu renovo

é minha vida que passa

é minha vida que peço

Prometeste o paraíso

Route six six sex

Máxima felicidade

Alívio pra todo stress

Mas a mais pura verdade

é que o seu sermão de monóxido

Não leva a tal liberdade.

 

Por isso meu caro arauto

Recolha meu canto incauto

Entenda o automotivo

Dessa herética oração:

 

O seu motor de explosão

Terá menos um devoto.

Vou andar com os pés no chão.

Na Pele
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Apele pra a pele maluco!

ela é que  te dá um toque

ela é que te impele para o ato

antes que tu se sufoque.

 

ela é que dispensa o papo

ela é que te faz profundo

nela é que tu roça o mundo

que se tatua em tua entranha.

ela por você apanha

ela guarda o teu afeto.

ela é o seu melhor projeto

nunca vai ser uma estranha.

 

Apele pra pele maluco!

ela é que  te dá um toque

ela é que te impele para o ato

antes que tu te sufoque.

 

ela é que  repensa o fato

sem ficar se remoendo

ela é que acaba vendo

pelos poros o que ninguém ficou sabendo.

Ela não quer ser fronteira

Ela não quer ser limite

ela é que te permite

ser uma pessoa inteira.

Errática  
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Eu recorro ao erro sempre que posso

E erro e erro e erro sem remorso.

 

O remorso é o filho bastardo da culpa

Aquela que não come a fruta

Mas engole o caroço,

Aquela que não come a carne

Mas não larga o osso.

Aquela que não vive a vida

Mas espera todo suicida

No fundo do poço

No fundo do poço!

Eu recorro ao erro sempre que posso

E erro e erro e erro sem remorso.

 

Todo erro encerra um acerto

Todo erro é um bom começo

É o esboço do concerto

Mundo farto do estilhaço

Onde sempre amadureço

Onde sempre me refaço

Dessa obrigação do certo

Num lugar pra lá de torto.

 

Eu recorro ao erro sempre que posso

E erro e erro e erro sem remorso.

E erro e erro e erro e erro e erro e erro e erro sem remorso.

Verazes ( Até Quando Durar ) 
Daniel Santiago e Mauro Aguiar

O que é veraz

Se ele e eu

Lançamos mão de uma ilusão?

O que é real

Se entre nós

Dá-se a mais doce indecisão?

Santo Graal

Não há, nunca existiu

Mas o desejo

inventa

Na minha voz

A sua tez

Tenha talvez o tom do céu.

 

Mentiras entre nós

são flores deflagrando a paz

Se somos desiguais

pra que querer o amor veraz?

 

Tudo é veraz

O amor mentiu

E engabelou dois corações.

É bem capaz

Que desse ardil

Saiamos mais soltos e sãos.

Outra Babel

Ninguém nunca avistou

Mas a vontade

aumenta

Talvez aos seus

os olhos meus

façam a vez da luz do sol.

 

Até quando durar

seremos esse par sem par

Mas guarde isso entre nós

que o infinito é um deus atroz.

Mal Parado  
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Parado ali

Eu sem saber pra onde ir pra quem gritar:

“Pernas pra que te quero ver!”

Parado ali

Olhando a turba, o turbilhão da multidão

E eu só lembrando de você.

O caos fechando o cerco o circo o coração

E nem dava pra zapear

O ar pegando peso até cair no chão

E eu só sentindo o tempo maturar

Parado ali

E eu sem poder me distrair

Parado ali

E eu sem veneno pra dormir

Parado ali

Senti que o tempo ia explodir.

 

Parado ali

A alma toda amarrotada quis fugir

Voltar na outra encarnação

Parado ali

Num anonimato sem cachorro, sem porvir

Numa perfeita imperfeição

Um cara disse a carne é fraca e sem noção

O bar logo se abarrotou

O meu miolo amoleceu de inanição

E o tempo de engrenar degringolou

Parado ali

E eu sem poder gritar um gol

Parado ali

Fazendo boca de siri

Parado ali

Senti que o tempo estacionou.
 

Parado lá

Alguém me deu a mão

Ou era amor

Ou foi só confusão

Não vou chorar

Pelo que eu nunca vi

Mesmo porque meu pensamento

é só poder escapulir.

 

Parado ao léu

Meio nem lá nem cá

Parado ao léu

Naquele não-lugar

Parado ali

E se eu me acostumar

e até fingir que nunca vi

O mar na contramão

No centro da panela de pressão

 

Vou fazer em suma

Essa coisa nenhuma

Que faz estarrecer a multidão.

 

A multidão

A multidão

Parada ali.

Nana, Nina, Não
Edu Krieger e Mauro Aguiar

Nana nina muito bem

Como quem quer se ninar

Mesmo sem ninar ninguém

Não convém desanimar

Calma

Chama

Alguém para aninhar

Ganha

Algumas

Cantigas de ninar.

 

Quando aciona o seu sem-fim

Nana tem por quem olhar.

Trama um ninho de alfenim

Para um querubim sonhar.

Soma

Rimas

Afina o la-ra-iá

Ganha

infindas

Cantigas de ninar.

 

Coração de Nana tem

Tudo que se imaginar

A semente, o grão, o gen

De quem tem tanto pra dar.

 

Quando Nana desatina

Nina até o mar

E o sol se aproxima

Antes de deitar

Nina Nana e sai de cena

sem se amofinar,

mas não faz por pena,

Ama

Nana e seu ninar.

 

Quando Nana se alucina

Aconchega o ar

E a luz repentina

Desse alucinar

Tira nana da rotina

De nananinar

Um alguém que ainda

espera

que amanhecerá.

A Fama e Fome  
Pedro Ivo Frota e Mauro Aguiar

A Fama tava na tv volúvel como o quê

Habitué

de mil baladas

A fome só babava ovo sem jabaculê

No miserê

da mulambada.

 

Mas a fome viu chamada pela TV

“Procura-se você

Que tem gana de mucama pra lavar pé

De requintada”

Ela então catando guimba nem quis saber

De dar colher de chá

Se a bacana quer mucama pra bajular

Não custa nada

Dar uma olhada...

 

Você tem fome de quê? Você tem fama de quê?

 

Em pouco tempo a pobre Fome pôde perceber

Que o metier

Era roubada!

Enquanto a Fama se esbaldava na sua turnê

O seu cachê

Era um nada!

 

A Fome então desesperada tentou fazer

A sua reentré

Fez um teste muquirana pra ser dublê

Da desalmada

Quando a Fama soube disso fez um auê

E só faltou morrer
Pôs a Fome para fora com um pontapé
e a desdentada

Muda na entrada

Saiu calada.

 

Você tem fome de quê? Você tem fama de quê?

Bendita                                
Zé Paulo Becker e Mauro Aguiar

Uma palavra empenada

Saiu da boca de um

E deu-se um cafarnaum por um

Nada, Nada, Nada, Nada...

 

Sotaques de palafita

Repenicavam no chão

Algaravia, maleita,

arroubos de língua extinta

A dita pela não dita,

tanta palavra esquisita

Que a língua solta escolheu.

 

Mas a palavra insalubre

Que empestiava o salão

Não era a mesma que o cão, se vem,

Fala, fala, fala, fala.

 

Era palavra bendita

Que bota a boca no céu

A que mantém nossa escrita,

aquilo que a gente grita

Se o mundo nos interdita,

uma palavra infinita

Que quase tudo contém.

Improvisada palavra,

lavra do nó na garganta

Basta uma sílaba santa

Que essa palavra diz bem:

 

Primeiro o verbo era Deus,

Depois em carne se fez,

E habitou entre nós

Um louco de viva voz

Falando em nome do além:

Qualquer palavra que vem

Convém

Venha por mal ou por bem

Amém.

Venha por mal ou por bem

Amém.

Desviolada
João Nabuco e Mauro Aguiar

Meu violão desentoou

E riu do mal que causou.

Eu quis entender

Será porque o amor desertou

Que o sol não saiu

E o mar descorou?

 

E a canção caiu pelas tabelas

E zombou de vãs melancolias

Mas deixou muitas seqüelas,

Mazelas pelos dias

Sem valor.

 

Meu violão desarvorou

E ouviu o que não tocou

Eu tentei conter

O caos até que o caldo entornou

No chão que se abriu

Por causa do amor.

 

E o som saiu pelas cravelhas

Se contentando com migalhas

apenas fagulhas de um parco amor

que a vida

nos destinou.

 

Meu violão degringolou

Cuspiu na mão que o afagou

Eu agradeci

Sei lá porque, se o tempo empacou

Se o céu se partiu

Se o palco apagou

 

E a canção vibrou nas cordas bambas

Em mulambas, vis acrobacias

Mas saiu de mãos vazias

Nem jóias, nem muambas

Sem valor

 

E o violão desencarnou

Pedindo um prato de amor.

Eu chamei você

Você sumiu e o tom despencou

Pra um tom que serviu

Mas não me agradou.

 

A mão roendo as próprias unhas

Escancarou minhas vergonhas

Moendo mumunhas

No estranho amor

Que ainda

Ninguém sonhou

 

Mas, sei bem,

Vem

No violão que a mão ressuscitou.

Orquídea Azul                                 
Zé Paulo Becker e Mauro Aguiar

Nenhuma dor

No coração

Desmesurada,

Nem vais me ver

Ao rés do chão

A murmurar “cadê você?”

Nenhuma flor

Orquídea azul

Jaz desbotada aqui,

Longe de ti o amor

Não perde a cor.

 

Nenhum favor

Deves a mim,

Nada de nada.

Nem um luar

Já me flagrou

A entoar: “Chorei, chorei”.

Nem tem a ver

Um abajur

Só de fachada, eu sei

Nem todo amor

Sabe sofrer.

 

Nem tão vazio

Meu coração

Perde a passada

Dessa vez

Não vou perder

A razão

Por alguém

Que me deixou

Dependurada

Tonta por um fio

De ilusão.

 

Nem tudo desandou

Inda que assim tão só

Saí

Mais sã

Maior

 

Mais

nenhuma dor

No coração

Alucinada

Nem vais me ver

As mãos pro céu

A praguejar: “você, cadê?”

Nenhuma flor

Orquídea azul

Jaz embotada aqui

Hoje entendi

Não é todo amor

Que sai de si.

Sem Preconceito 
Zé Paulo Becker e Mauro Aguiar

Até você tomar

Jeito

Eu resolvi passar

Reto

Vou deixar rolar

O que meu santo quer

Vou, vou na fé

Que a fila só faz aumentar...

Não quero cuspir no seu

prato

mas, sabe como é:

“loves in the air”.

Se você disser

Que vai sossegar

Eu lhe prometo que vou pensar

Sem preconceito em seu cafuné.

 

Até você tomar

Tento

Eu vou viver que nem

Vento

Vou deixar cair

E bem perequeté

ir por aí

Gritando: “quem é que não quer?”

Você pode até ralar

peito

Pode desembestar

Não vou dar colher

Só se me provar

Que o amor já é

É que me enfeito pro seu olhar

E faço dele o que bem quiser!

Ponto Cego                              
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Tu leva um lero ali comigo

Enquanto eu ligo o luar

Eu não te alugo eu tô contigo

Até você decolar.

 

Por outro ângulo eu quero

Ver você mergulhar

Mo meu mar, no meu mar

Do meu maligno olhar.

 

Querendo afago até teu ego

Até você flutuar

Não nego nega eu não sossego

Enquanto não te agulhar

 

De gole em gole eu consigo

Eu não me engano no olhar

Te espero num ponto cego

Em que você queira estar

Por estar, por estar....

Não quero é te pressionar.

Enfim, saudade
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Eu quis a minha vida

Esparramada na avenida

E em cada dor aguda

Eu pus o dedo na ferida.

De nada me desvencilhei,

De tudo me incumbi,

Só não achei saída pra saudade.

 

Também quis minha alma

Empoleirada em cada estrela,

Pra cada doce amada

Eu fiz a música mais bela.

De toda dor me desprendi,

Em todo amor me dei,

Mas encarei de jeito uma saudade.

 

Eu fiz tua vontade

A cada nova primavera,

Ali na flor da idade

Eu quis a última quimera.

Em tudo me lancei por ti,

De nada me esquivei,

Mas só tirei proveito da saudade.

 

Enfim, fiz cada acorde

À luz da lágrima mais rara,

Enchi meu coração de

Uma canção incendiária.

Reconheci que nada sei

De tudo que vivi

E descansei no leito da saudade.

 

E escancarei meu peito pra saudade!

Sem par                             
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Imagina eu sempre sendo seu

desde o meu primeiro olhar,

imagina você não me ver

e quase tropeçar

no amor que eu ia dar,

imagina a gente se cruzar

e a vida desembaraçar.

Imagina estar em sua vida

antes dela vir vingar,

imagina o tempo não passar

e a vida nos juntar.

Imagina a gente planejar

saídas pra nenhum lugar...

Imagina a minha língua aflita

pousada no seu paladar,

imagina a terra prometida sendo já.

Imagina a gente se entender

sem palavras pra trocar,

imagina a língua extinta

que usaria às tontas pra me declarar.

Imagina o tempo desandar

pra gente não se acostumar,

imagina a gente desmanchar

e Deus querendo reconciliar,

imagina eu dedicando a vida

a te encontrar...

Imagina eu estranhar viver

assim sem par.

Malungo
Ian Faquini e Mauro Aguiar

Cutuco o ar e empaco a costumeira dor
Boicoto o tempo e boto um pé na dianteira
Refuto a fiandeira

Refuto e planto ali na pirambeira a flor
Do mato dentro, e planto da melhor maneira
Labuto de māo cheia.

O mundo é meu adubo
Digo a grosso modo
Tudo é meu suor ( eh eh)
Sou de maior, malungo
Com meu calo afago
Quando calo trago
Na garganta um nó (eh eh)

Mas nunca me encabulo
No comum comungo
Vim de um cafundó (eh eh)
Não desconheço escombro
Mas não levo tombo
Vendo mal-assombro
Quando durmo só. (Eh eh)

Imito a taturana
Sou de queimar pestana.
Me ocupo uma semana
E uma canção desmama.

E tudo que eu poli quisera ali caber
Aquilo que eu não cri e aquilo que eu vou crer:
A alma da liana
A cor da cana à paisana
E o quando o amor se esparrama ao lado de você
Na esteira.

Púrpura Falta de Tempo                        
Túlio Borges  e Mauro Aguiar

Eu estou desconfiado

Que o futuro foi cancelado.

Eu estou desconfiado

Que o futuro foi cancelado.

 

Não falaram pra ninguém

Mas, não vai haver nada além.

Não falaram pra ninguém

Mas, não vai haver nada além.

 

E o futuro era

Minha última esperança

Já que eu não sou mais criança

Nem acredito em quimera.

Não é mera conjectura

Nada mais dura uma era.

 

Então não vou mais ficar

Nesse compasso de espera

Já que agora é só agora

Vou querer tudo na hora

E se o futuro voltar

A valer o que valia

Eu vou correr pra galera

E gritar: “eu já sabia!”

 

E gritar: “eu já sabia!”

E gritar: “eu já sabia!”

 

Sabia eu tava atento

Que o futuro foi cancelado

Por pura falta de tempo

Por pura falta de tempo

 

Púrpura falta de tempo

Por pura falta de tempo

Púrpura falta de tempo

Fruta de Voz            
Fátima Guedes e Mauro Aguiar

No momento em que ela canta
minha alma entra mata à dentro
procurando o centro

de tudo que não for

medo e pensamento.
 

Porque quando ela canta
não adianta mais temer a vida
não adianta mais não ver o vento
Não adianta a fuga do absurdo.

 

O canto dela é, sobretudo, espanto.
O canto dela é meu melhor tormento
Lento, lento,

decantando o mundo.
 

No momento em que ela canta
Minha alma entra em movimento
pronta pra partir

sem rumo perde o prumo, o siso,

e acha o encantamento.
 

Porque quando ela canta
eu sumo de mim e sonho um outro sumo
de uma fruta de voz, de vez, divina
polpa repentina

na boca da mulher
que canta

o que minha alma tonta
só de vez em quando alcança:

 

"Uma menina santa numa gruta
Brincando com o eco enquanto afina
a mina de som que do seu coração resulta."

 

No momento em que ela canta
Tanta coisa em mim levanta,
que alma grata, grita e exulta!

 

Canta, canta, canta, canta...

Melancholica                     
Fernando Temporão e Mauro Aguiar

Cê ta muito escandinava minha diva
Tira a mão da luva, aqui não neva (never, never)
Van’ pegá ua praia pelo pé?
Van’ pegá um pé d’água pela proa?
Vamu ri à toa, picolé?

Cê tá muito melancholica
Cólica
Vamo vê o belo rebolar?
Vam’ali na esquina abrir um bar
Já de manhã cedo?

Van’ pisá na areia ali lourinha
Deixa essa deprê malocadinha
A verdade é dura
Só mentira cura
Cê já tá corada
E nem tem meia hora que chegamos
Quando o sol se for

não vamos embora
Vamos fazer planos
Mil aeroplanos
 

Só somos humanos
Quando acreditamos
Quando acreditamos!

Vasta Ilha       
Ian Faquini e Mauro Aguiar

Suei sangue na poeira a vida inteira

Fui criada num caixote vil de feira

Demorei pra escalar a cordilheira

Onde estou

Quem quiser ficar por perto

Decerto vai ter que comer

O que o diabo amassou.

 

Me vestia de farrapos, maltrapilha

a familia renegava a própria filha

Eu ralei para comprar a vasta ilha

Onde estou

Quem quiser o meu deserto

Decerto vai ter que engolir

O sapo que me engasgou.

 

Nunca tive nome, status, sobrenome

Mas nos maus pedaços que passei com fome

Muito dei de mim para alcançar o cume

Onde estou

Quem bolir no meu coreto

Prometo.

Vai ter que sofrer

O que nunca imaginou.

 

Procurando um lugar pra cair morta

Dei a a cara a tapa em tanta falsa porta

Mas cheguei onde cheguei e pouco importa

Se custou

Quem vier no meu castelo,

Tão belo,

Vai ter que pagar

Por tudo que me faltou.

Dorival Pescador
Ian Faquini e Mauro Aguiar

Dorival Pescador ensina

É preciso esperar a rima

Passar de lá de onde está

para o colo quente da gente

Feito um presente no mar

Se dá para Iemanjá.

 

Dorival Pescador professa

O amor não conhece pressa

É preciso saber calar

Pra que a doida canção se dê

Com um quê de pregão de rua

Quando a lua na rua está.

 

Dorival Pescador receita

Se a canção demorar, aceita

O melhor é deixar soar

Feito onda lambendo a proa

Feito o vento que a nuvem côa

É a toa que ela virá.

 

Dorival Pescador indica

Toda simplicidade é rica

Todo som guarda dentro um mar.

Irada      
João Nabuco e Mauro Aguiar

Nem uma onda na areia que pega na veia simula

Nem a maré labareda que o náufrago insula

Paixão quando chega

É ira de mar

É sangue na guelra.

 

Nem outra onda que quebra na cara da pedra pontuda

Nem quando a tal despenteia a danada da duna

Não é mar de rosas

É sanha de sal

Restinga ranzinza.

 

Quem é que pode brigar com essa tal?

Quem é que pode bradar contra o mar?

Quem que não quer se afogar

Se a paixão deslancha?

 

Quem é que pode sangrar esse mar?

Quem é que pode encarar sem chorar?

Quem é que pode se achar

Quando o chão desmancha?

 

Ah, Mar!

Ah, Mar!

 

Nem a maré sorrateira que passa rasteira aparenta

Nem quando tudo parece irritar a tormenta

Paixão quando atenta

É farol de breu

É fogo na venta.

 

Quem é que pode brigar com essa tal?

Quem é que pode bradar contra o mar?

Quem que não quer se afogar

Se a paixão deslancha?

 

Quem é que pode sangrar esse mar?

Quem é que pode encarar sem chorar?

Quem é que pode se achar

Quando o chão desmancha?

De Lupa na Lapa                     
Moyseis Marques e Mauro Aguiar

Minha lupa aumenta

e inventa a Lapa que não quer calar

Um psicotapa de pelica no palavrear

Válvula de escape, quarteirão pericular

Latitude louca longitude ao Deus dará

Entupida

Lapa-pilotis Lapa-Pilares pra desempatar

Lapa labiríntica canícula pra evaporar.

 

 

Quem tocou

No contrapé

Sabe onde é

O tal lugar

Vai lá mané / Nem para pra pensar

Se a Lapa quer / melhor considerar

 

Sem papo cabeça

Papo de mané sagaz

É demais !

Ninguém mais ....

Escapa !

 

 

Lá da Lapelétrica ego trip a te paparicar

Lá na Lapa o loop linka o novo look e o lupanar

vou de filipeta democrata até trincar

A bala na agulha a língua além do paladar

Palafita

Lá na lapolímpicarapuca o samba tá no ar

Lá na Lapa o lúpulo pupúla ali de bar em bar

 

 

Quem vagou

Na Mem de Sá

Sabe onde tá

O tal filé

Um capilé / e toma lá dá cá

É como é / O nosso mafuá

 

E lá pelas tantas

Quando as putas deitam

Na labuta,

Se deleitam,

E eu lá

Na Lapa

Na chapa

No rapa

No tapa

De lupa

Na Lapa!

Frevo Alegrai   
Pedro Ivo Frota e Mauro Aguiar

A alegria

escorria

da boca escancarada

da massa enlouquecida

e ia ao chão da

avenida

lotada.

 

A alegria

mesmo assim pisoteada

Se ria,

se ria,

se ria por nada!

 

E cada um pegava a mão

de quem não via,

e cada qual pegava um grão

da sensação

que um desigual sentia.

 

E enchia um pote,

um lote,

um quarteirão

da alegria

que escorria

e corria

de boca em boca

numa louca alegoria

da esperança:

 

Todo mundo era criança

Todo rumo uma euforia

Todo mundo entrava na dança

Da mandância à serventia

Da mansão à estrebaria.

 

Alegria!

Alegria!

Que bom que a cabeça esvazia!

 

Alegria,

Não se esqueça

Assim se esvazia a cabeça!

Gula

Pedro Ivo Frota e Mauro Aguiar

E o mundo deu liga.

Agora siga, engula,

agarre pela gola

o mundo que deambula

em trajes de gala

por nenhum lugar.

 

Ou tudo degringola

Ou tudo engrena.

Ou gangrena

Ou entra de sola.

 

O mundo sem bula

burlando o galo

da madruga

O gogó engalanado

O lago aziago

das horas.

Agora salgue,

legue ao dia

o mais do algo.

Augúrios

Agoras.

Viva a Vó   
Giovanni Iasi e Mauro Aguiar

Peraí, Peraí, Peraí, Vó

Que o frevo não vai caducar

Peraí, Peraí, Peraí, Vó

Espera esse frevo encorpar.

Jogando as pernas pro ar

Vais acabar dando um nó.

Mais de-va-gar!

Para com essa treta, Vó!

 

Péra aqui, Péra aqui, Péra aqui, Vó!

Espera a ladeira lotar

Péra lá, Péra lá, Péra lá, ó

Que nem começaro a tocar

Tô me sentindo um bocó

Tendo que te segurar

Quer Sos-se-gar!

Fé nessa retreta, Vó!

 

Só te chamei pra gente vê

Você não tá brincadeira!

Para aqui, pega essa cadeira e senta o teu fiofó.

 

Até porque não tem por que

Você perder a estribeira e pular

Pra me encabular, doida escapulir, levantando pó.

Agora sim pé ante pé

Freva!

Eh!

Viva a Vó!

 

Agora sim vovó vai frevaricar

Pés para o ar

És a maior!

Mas cochilou, já tá num sono bom.

 

Vem cá vê, Vem cá vê, Vem cá vê, Vó

Que agora a ladeira ferveu

Vem cá vê, Vem cá vê, Vem cá vê, Vó

Acorda que o melhor cê perdeu

Com tanta gente ao redor

Como cê consegue roncar

Quer a-cor-dar!

Por favor desperta,

 

Olha o frevo lá!

Vê se fica esperta,

Ó, já vai passar!

Cê tá muito quieta, Vó.

Sem Eira Nem Beira 

Edu Kneip  e Mauro Aguiar

Pião pintando o caneco na surdina

Estudantina ataca de Fred Astaire

Calcanhar, peito do pé

Visagem ví

No soarê

E a beca toda amassa, qualé mané!

 

Marota engana que nem cobra ferina

Gim com vermute, twist, vapor subiu

Patinete e vai e vem

Barato eu quis

Cruzado em x

E o trumpete que de bebum caiu.

 

Floreado rasgando o estado civil

Estatuto na lama e a lei ninguém viu

Pirueta da banda, incêndio no bar

Regalo de Cuba pra relaxar

Miudinho seu corpo cola no meu...

 

Dançar sem eira nem beira, se gastar!

Na gafieira deixar cair no pé.

 

E a gagueira do sax

Torpedeando o balé

Vara o samba no contrapé

 

A noite inteira suingar

Não resistir ao affair

De um trombone de vara em ré.

Sanfona Safenada   
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Sou sanfoneiro e fungo o fole até “virá” poeira

Mesmo que chegue a derradeira

eu “vô resfolegá”

Enquanto o mundo me escapole

eu brinco na fronteira

“Tô” mais pra lá do que pra cá...

 

Mas se o “gai” do candieiro “tá” querendo se “acabá”

Bem na hora agá

Já troncho pra “desencarná”

Eu faço a sanfona “chiá”

Despacho qualquer carpideira

Pra Quixadá

 

Que gemedeira é só pra gente se chegá

Se aconchegá

Numa esteira, ah!

 

Sou sanfoneiro e nem me fale

em “pendurá” chuteira

Minha sanfona safenada “inda” levanta pó

Em cada toque essa danada

acende uma fogueira

Pra não “passá  pruma” pior

 

Mas se a vida na carreira

“qué fechá” meu paletó

De madeira e o nó

Já “tá” me apertando o gogó

Eu mando um acorde maior

E abraço a “mulhé” guerrilheira

De Mossoró

 

Minha sanfona brasileira, meu xodó

Que no forró

Não me deixa só.

Café Requentado

Rodrigo Lessa  e Mauro Aguiar

Tô careca de saber

que você cansou de mim

Mas não gaste o seu latim

procurando explicação

Eu bem sei que qualquer dia o amor esfria

não tem jeito não

Anoitece quando quer

Nunca pede permissão a ninguém

Do mesmo jeito que ele vem, se vai

E ninguém encontra escora

pra depois que a casa cai

Então bye, bye

Eu não tomo formicida

e nem me queixo pro meu pai.

 

Tô cansado de você

mas não tire conclusão

Antes um pardal na mão

que outros dois singrando o céu

Aliás pro seu governo

o amor é ermo, cínico e cruel

Mais parece um carrossel

Turbilhão no coração de quem tem

E chora e esperneia e entra e sai

E ninguém sabe direito

pra onde é que a banda vai

Vai não!

Não vai

Que um café bem requentado

pelo menos te distrai.

Asas de Cera  
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Voava transbordando de amor

As gotas desenhavam no mar

Mil lendas de outro Ícaro ateu

Desejando o teu olhar

Que era o espelho azul do meu.

 

Bailavam asas brancas no ar

E eu, anjo, me esqueci imortal

Jurava pelos raios de sol

Que viria te buscar

Num esplêndido arrebol.

 

E o mesmo calor que me fez jurar bastou

Pra desfazer meus sonhos tolos, todos pelo chão

As asas de cera eram feitas de paixão...

 

Procuro os cacos do coração

Sem asas, sem carinhos de Orfeu

Distante da clareza do céu

Redescubro o teu olhar

Refletindo a dor do meu.

 

E simples mortal

Ofereço-te a canção

Tão filha de outros trapos de um humano vendaval

Notas tontas feitas de verdade e solidão

São asas renascidas na emoção de amar.

Tiziu Pirado 

Rodrigo Lessa  e Mauro Aguiar

Tava me acabando na sueca

Um tiziu pirado apareceu

Vinha com um “twiter” detonando um pancadão

E contra a parede me espremeu:

- Toma que o “Funk” é teu!

Eu, quase empacotei

sou da Velha Guarda e o meu samba é de lei.

Sai pra lá tiziu

para com isso que eu não sou nem nunca fui “DJ”

 

Mas me liguei no som da caixa

fiquei parado no refrão

quando cheguei no fim da faixa

tirei a conclusão

que me estarreceu!

 

- O “Funk” é meu  e ninguém tasca!

Toda birosca me aplaudiu

porque o tiziu

me convidou

pra ser “DJ”

num baticum

da Furacão Dez Mil e um.

De Pé Trocado
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Ai que tortura essa tonteira o coração já titubeia, cambaleia na navalha

Quando um pé pisa na telha o outro falha

Um pisa na calha e a ventania faz marola

Um pisa na bola

e a saideira me atrapalha demais!

 

Ai quem me dera uma cadeira

o coração tá na pindura, quase fura a toposfera

Exagerou na branca pura, agora atura!

Não tem quem me tire essa barriga da miséria

Todo rastaqüera se embaralha

quando bebe demais.

 

Pé ante pé cercando a jia vejo o mundo girar

E enquanto o mundo rodopia tento me segurar

Mas uma súbita leseira me dá

Escuto um frango de macumba a chamar

Me refastelo no despacho e como sem desfiar.

 

Ai que navalha essa tortura

o coração pisa na telha e a ventania dá tonteira

Quando um pé só titubeia o outro encalha

Um pisa na falha e a saideira cambaleia

Um pisa a marola

é que essa bola me atrapalha demais.

 

Ai quem me dera a troposfera

o coração tá na miséria,

agora atura o rastaquera

Que exagera na pindura e quase fura.

Não tem quem me tire essa barriga da cadeira

Toda branca pura me embaralha

quando eu bebo demais

 

Pé ante pé cercando a jia vejo o mundo girar

E enquanto o mundo rodopia tento me segurar

Mas uma súbita leseira me dá

Escuto um frango de macumba a chamar

Me refastelo no despacho e como sem desfiar.

 

Um preto velho me aconselha

a não provar do pirão no pilão

A pomba gira me achincalha

e diz que não tem perdão, que essa não!

Eu rezo tres ave-maria no chão

Peço licença ao santo de prontidão

De pé trocado, embriagado

vou curando a paixão.

Maracatu Torto                        Felipe Azevedo e Mauro Aguiar

A paixão me futucou de jeito

Não deu colher-de-chá

Meti o pé na jaca e na gemedeira.

 

Meu sangue de barata enjeita

Mas não dá pra estancar

Parece coisa feita de mandingueira.

 

Êita!

A maleita tá que tá!

É... tá de doer!

Êita!

Custa tanto a cutucar

Entra sem bater.

 

E quando um coração na quizumba quer sambar

Esquece o sonho mal que sonhara.

Dispara feito um cão doido pra se acasalar

Aquece a coisa e paira até quando a paixão cansar.

 

A paixão meteu com o pé na porta

E quer provar que é

O lado bom da inhaca e da ziguizira.

 

Qualquer maracatu me entorta

Qualquer som de afoxé

Mistura o que era à vera e o que era mentira.

 

Quenga, a razão não pára em pé

Cega

Vai na fé.

 

E quando um coração tá no venha o que vier

Alcança o que sempre imaginara.

Revira um quarteirão mendingando cafuné

Avança e goza e pira até quando a paixão quiser.

 

A paixão se aconchegou na toca

Que nem jagüaretê

Não tem cristão que encare a fuça da fera.

 

Agora é que meu peito empaca

Periga até morrer

De amar, de amor, de encanto e de primavera.

Durantes
Kristoff Silva e Mauro Aguiar

Antes se dizia até amanhã

E amanhã era um lugar tão grande

Que entre ele e o hoje

Cabia um mapa mundi

Se fazia um Gandhi

Era muito, muito longe.

 

A noite engavetava o afã

E não era vã a novena

A cena transcorria inteira

A pena, a elegia, a lareira

A hora cabia dentro de uma hora exata

E à meia-noite em ponto, na mata,

Um regato adormecia

 

A madrugada ainda madurava o vento

E o tempo espairecia alado

 

Amanhã de manhã ficava mesmo do outro lado

 

Hoje o amanhã é hoje

E o hoje

Se vem

Vem quase nuvem.

Monolito                      
Pedro Ivo Frota e Mauro Aguiar

Ele tornou-se artista
esculpiu na pedra uma nave nova.
Seu grito compactado
era um pacto com o tempo que tudo leva.
 
O mercado estupefato
com o artefato do Olimpo:
solicitava sedento  
à tanto talento inato,
outro artefato infinito
do mesmo corte perfeito,
 
Ele então tentou um salto
perto do primeiro parto
que lhe custou tanto tempo.
não querendo na peça nova
a cópia do totem passado,
pensou em esculpir contudo
com o mesmo gesto ensinado
só que fazendo distinto!
nada querendo datado!
 
Ecoou o mesmo mito
no mesmo grito encantado
do monolito por dentro,
ou visto por outro lado.
um outro canto do canto,
(aquele corte perfeito)
só que recompactado.
 
O mercado agradecido
No entanto não saciado
Quer tudo repaginado
E lá vai o artista tornado
Esculpir uma nova nave

Num monolito sonhado
Do outro lado do tempo
O seu único aliado.

Soneto da Estreia
Martie Rikhof e Mauro Aguiar

Estreiam sete estrelas em seus céus.

Anônimas, vadias, cintilantes

e se ninguém pressente ou rasga os véus

não nos cabe sabê-las tão brilhantes.

 

Será que iluminam eras vãs

nas mil constelações, de nós, distantes

a laborar quimeras ou maçãs?    

Como prevê-las tão dessemelhantes?

 

Só intuímos as tais pelas janelas   

Tentando ao léu escancarar as almas

Tão atreladas aos nós dessas tramelas.  

 

Seremos nós também nas noites calmas

Seres sem paz, iguais às tais estrelas

sem um olhar que saiba enfim, acolhê-las?

Extraterrenos.                   
Túlio Borges  e Mauro Aguiar

Os Meus

Falam com a boca cheia

De idéias

Rédeas curtas

Cartas na manga

Zanga não lhes assusta

 

Os meus

Comem com mão

Na roda, rodam a baiana

Por nada

Nada lhes apanha

 

Os meus são mais ou menos

Seus. Nós, nossos

Enterro dos ossos

Sem remorsos

Desempenos.

 

Os meus

Quase nunca fazem planos

Cadeias

Contam anos

ouvem milênios

Dizem que são humanos

 

Os meus

Olham pro céu

Da boca, brincam na lama

Da lua

Tudo lhes insinua.

 

Os meus são mais ou menos

reis, réus, santos

Aterro de restos

Entre tantos

Extraterrenos.

Capataz
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Quem é capaz de um pente fino

Passar em cada olhar fugaz

Verá que toda paz

não passa de um cassino

Onde se aposta e volta atrás.

Por isso é que sempre encasqueto

Com o custo dessa paz voraz:

Um gole de aguarrás,

um gás que come quieto

E o tempo sendo capataz.

Menino, eu quis fazer as pazes

Naquelas bases com rivais

A paz impôs limites

e ao invés de mil oásis

Fiquei só com meus areais.

 

Assim a paz nem sempre é o que me apraz

Se carregada na tinta

Pois prezo a paz atroz que a guerra traz

Até que Deus me desminta

E tente impor ao mundo o plano audaz

De uma paz indistinta

Que sirva a querubins e canibais

Mas não dê muito na pinta.

 

Por mim, se é paz, eu passo reto

Já descobri que me compraz

Ser incapaz de paz

sendo capaz de afeto

Me faz ser um gentil sagaz.

E mesmo quando eu me amotino

Queimando minhas naus no cais

Se eu perco a minha paz,

eu passo o pente fino

E o meu destino diz: jamais!

Jamais terás a paz a pino

Jamais terás um porto a mais

Mas saberás que a paz,

tampouco é um dom divido

A paz se paga, a paz se faz.

Assim                           
Lucina e Mauro Aguiar

É pra ser assim:
a gente junto
muito perto
sem saber ao certo
o porquê de nada
Só a estrada pela frente
a mente aberta
e a descoberta
de viver sem rumo
no sumo da canção cantada
em comunhão!

É para ser assim:
um mundo em mim
e eu num mundão sem fim
a fim do infindo
indo atrás do vento
que bate por dentro
por fora da órbita
habitando o tempo inteiro
um outro tempo verdadeiro!

 

É pra ser assim!

Rio no Frio  
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Rio no frio

tapetes de amendoeiras

praias

inúteis paisagens

o mar devora minhas idéias

Está calmo

Estocolmo demais.

Rio no frio

a noite esvazia a madruga.

os ventos em fuga

na vaga manhã

tragam meus olhos.

Berna.

O Rio hiberna.

Praga.

O Rio Apaga.

Tundra

na rua da quitanda

neve na nuca,

never, nunca!

Ronca,

ronrona a geleira

na beira da praia

da bica.

E eu não creio

no Rio no frio

diz meu olho

que moscou a cena

de uma orca

encalhada na Urca.

Do pico do Kilimanjaro

peço de um quibe manjado

na Uruguaiana

Buenos Aires

do Saara antes cálido,

agora gélido.

Na Calada da Noite        
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Falar no tal do amor bem poucos podem,

E eu nunca alimentei essa ilusão.

Amor é coisa fina tão fora de ordem,

Que resolvi deixar de mão.

 

Mas hoje a solidão que a noite acende

De assalto me tomou o coração.

Fiquei pinçando o céu com olhar ausente, demente,

Desentendendo a imensidão.

 

E a sós com meu secreto amor dormente

Cheguei a essa simples conclusão:

Arder de amor é dom de toda gente

Falar de amor, só quando o amor diz não.

 

Falar no tal do amor bem poucos querem.

É uma tarefa ingrata e colossal.

Alguns saem ilesos, mas muitos se ferem,

Falando a mesma língua igual.

 

Mas hoje o meu discreto amor doente

Soprou-me essa possível solução:

Falar de amor sem cor é mal corrente

Emudecer de amor é inspiração.

Tudo à Toa    
Edu Kneip e Mauro Aguiar

Seremos tolos sentimentais

Sangrando o sonho nos arranhões

Tendões rompidos, pulmões sem paz,

Taquicardias e convulsões

Dois beijos tortos.

A alma enxuta

Tua agonia no meu quintal

O céu da boca bebeu demais

O riso assusta... O amor nasceu!

 

Seram dois crimes

Dois sortilégios

Seram dois gumes da mesma paixão.

E o vendaval alcançará

O nosso tédio e a nossa solidão.

 

O infinito rindo então nos brindará tão louco

Afrodiziando o ar como um condicionador

Seguiremos condenados a canções de amor!

 

A faca e o queijo na nossa mão

Eu de castigo, você de mal.

Adormecemos num barracão:

Viramos tema de carnaval!

 

Seremos tudo

E o que seremos

Talvez, seria

Talvez, será

Será à toa

Se qualquer dia não te encontrar.

Parecença       
Sérgio Farias  e Mauro Aguiar

Lembra a zoeira da fera cansada

Embaraçada em sisal

Quase um sussurro da boca do nada

Um murro em ponta de fal

Tem parecença com a luz que a

Metralha produz

Na ausência do sol

Lembra de longe um choro de monge

Quando se descobre mortal.

 

Traz a memória do suco da vida

Ave nascida em sertão.

Feito um silêncio de estrela caída

Beijando a palma da mão.

Tem semelhança

Com olhar que a criança

Tão lúcida lança no céu.

Faz vez de sonho

Que nunca se alcança

E nunca jamais se perdeu.

 

Tem da ciranda alguma alegria

Fisionomia da satisfação

Tem parentesco com a lua vadia

E na magia da nossa paixão

Quem não descobre a mão nobre de Deus?

Quem não repara a mão rara de Deus?

Onírica  
João Nabuco e Mauro Aguiar

Sonhar é meu ofício
e meus pés em brancas nuvens pisam sem nenhum pudor
De ser
Aquela que já não sou
e algo me diz que adoram meu mar de isopor... 
mas agora pretendo existir.

 

Se viver é tão difícil
todo tempo é movediço e disso eu não me esquecerei, eu sei
Eu sei
Que os dias são vias de vais e vens 
eu confio e fio mantas de vapor
Bordadas no meu sono a pino
Ouvindo mil sinos de amor.

 

E o amor
me diz...

 

E o amor
me diz:
- Serei feliz!

Filha de Encanto        
Chico Saraiva  e Mauro Aguiar

Eu sou mandingueira, manteúda

e Deus me ajuda ainda

Enfrento quebranto, arenga, agouro

e me faço linda

Quando meu grito se alonga

Toda quizila escorrega

foge cega com o gume

do lume de Yansã.

 

Eu sou macumbeira, sapopemba

e vivo na curimba

Mas tenho decoro não guardo meu ouro em minha cacimba

Mel do meu canto decola

Chega em Mamãe Dandalunda

Que faz lá minha

onda sonora marejar.

 

Minha voz labareda

do samba no breu

É mandinga que alegra,

é milagre, é luar

Trago no meu gongá

Um batuque à granel

Que alaga meu sangue

de orgulho iorubá

 

Eu sou brasileira, beiradeira,

e força repentina

Esquento o banho de cheiro

pro couro da minha cantiga

Minha garganta de seda

É sedução desabrida

Aprendida na fonte

escondida de Oxum.

 

Eu sou curandeira, rezadeira

e tenho a voz caluda

Ungüento e encanto que ponho

no corpo mamulengo cura

A lama que me ilumina

Na hora da reza clara

É a calma colhida no colo de Nanã.

 

Minha voz alameda do samba no pé

É candonga que afaga,

é luz negra, é mulher

Trago em meu patuá

Talismã de Guiné

Que garante meu canto em qualquer canto que eu for cantar!

Cajazz
Kalu Coelho e Mauro Aguiar

Enquanto despenca a jaca Já

Enquanto o cajá deseja a laje

Ande por onde o selvagem fuja

 

Mais pra lá do que pra cá da lógica Do hoje

Mais pra lá do que pra cá da lógica Do hoje.

 

Aja

Haja o que houver reveja

O longe

Seja ninja e monge

Seja naja e surja

Do jeca

Da janela do poeta.

 

Mais pra lá do que pra cá da lógica Do hoje

Mais pra lá do que pra cá da lógica Do hoje.

 

Finja

Enquanto a dita cuja esbanja a juba

Sorva jujuba de cereja

E deixe ela morrer de inveja.

Em Faluja, em juazeiro

Seja o Rajá  da fuligem

Seja o marajá da vertigem

Eleja o já

Com um pé no jato

E outro no agito

Esteja lá

Objeto projetado

Miragem

Rugido de pajé que vem no gem da fé.

Finais Possíveis       
Mário Sève  e Mauro Aguiar

Anda coração, não vai se atrasar

Lembra que a paixão tem hora, não demora

Que eu guardo o seu lugar.

 

Tenta se apressar, pega a contramão

Não deixa pra me amar na cena derradeira

Da última sessão.

 

Não dá mais pra adiar

Nem largar de mão.

O amor quando tarda, falha.

 

E se ele não vingar

Nessa encarnação

Sei não...

 

Almas gêmeas vão tentar

Com o nosso amor em vão

Se amar.

 

Mas será bem tarde então

Para um coração sonhar.

Finais felizes

Só são possíveis
Já...

Sossega Leão
Rodrigo Lessa e Mauro Aguiar

Entra, pode sentar

Senta!

Fala mais devagar

Guenta!

Tenta se controlar

Pensa

Você soltando fogo pelas venta é que não dá!

 

Para pra respirar

Péra!

Era de se esperar...

Vê se agora tú manera!

Se foi, já foi

Então?

Olha que a coleira do cão cai feito uma luva no valente de plantão.

 

Te trata que isso já passou da conta

Assim tu bate cedo a caçoleta

Remediado está

Como o ditado diz:

Não é se acostumar

Mas é viver feliz.

 

Pior do que tirar o seu da reta

É ter que ficar dando a cara a tapa

O fósforo é que tem cabeça feita pra queimar convém não se esquentar.

 

Entra, pode sentar...

...valente de plantão.

 

Te aquieta que amanhã tudo se ajeita

Pra que tanta sangria desatada?

E nada paga o bem

Que a temperança traz

Não é dizer amém

Mas é viver em paz.

 

Melhor que tempestade em copo dágua

é mergulhar de vez na calmaria

Que dia menos dia a ficha cai e o que era ira vira vento e sai.

 

Entra, pode sentar...

...valente de plantão. ( e sossega leão! )

Céu no Cio       
Eduardo Neves  e Mauro Aguiar

Agora eu vou tentar

roçar seu coração

bem lânguida.

Talvez me aproximar

a ponto de perder

a língua.

E assim que acontecer

aquele escuso olhar

nem ouse pensar em se conter.

Melhor se acostumar

daqui pra frente é bom

viver.

 

Agora eu vou cerzir

o meu futuro ao seu

sem dúvidas.

Depois me distrair

guiar sem pressentir

as curvas.

E quando acontecer

de eu ser sua mulher

nem ouse pensar em se esconder.

Melhor se preparar

daqui pra sempre é com

você.

 

Não me leve a mal

mas acho que você

sequer

me ouviu.

E se me ouviu não quer

que eu seja essa mulher

que te promete o céu

no cio.

Então não vou fingir,

é mais que natural

ficarmos por aqui

já que meu vendaval

te cega.

Se você conseguir

ser mais original

me liga.

Calunga
Alexandre Fróes e Mauro Aguiar

A Calunga fitô meus ói

Numa tarde de terça-feira

Fez de conta o frevo que dói, remói!

Feito língua de faladeira.

 

Tropecei nas contas de côr

Que a conga-rainha cobria

Rastei pé na troça do boi, reboi!

Dei tesoura nessa folia.

 

Transeunte em transe, pernambuquei

Mesmo um pé rapado eu me acho rei.

Transeunte em transe, pernambuquei

Leão Coroado eu quero replay.

 

A Calunga então mais dengosa

Quis levar um dedo de prosa

Cafungou no meu pixaim.

 

E ao piscá seus óio de pano

Reparei sem medo de dano

Que essa preta gosta de mim.

 

Transeunte em transe, pernambuquei

Fervo na avenida, ainda não parei

Transeunte em transe, pernambuquei

Que da minha vida só eu é que sei.

Sem Pai Nem Mãe    
Luiz Flavio Alcofra e Mauro Aguiar

Meu amor é dor dilacerada
é Cuba Libre de joelhos

atentada pelo olhar do Tio Sam.
Feito uma flor desenganada,
cada pétala caída chama logo a sua irmã.
Do meu amor não sobra nada de manhã,

nem sol.

 

Arde como um riso sem final,
meu amor conserva-se em formol,
mesmo quase morto é meu farol

de luz negra a beira-mar
alumiando seu mal.

 

E quando o amor me trai

te amar não é melhor 
que desejar estar no céu

como quem se vai.

 

Meu amor é um fariseu,

sem mãe, sem pai.

 

Mas que amor o meu, não ama nada!
É sucuri pisando os freios

afrontada pelos anseios da rã.
Feito de uma flor tão corrompida,
cai da árvore da vida bem no colo de satã.
O meu amor é um torcicolo de manhã...

Deus meu!

 

Faz-de-conta que ele já morreu.
Diz pra ele que nunca me viu.
Usa o seu engenho mais sutil

e envenena o meu amor 
como se ele fosse teu.

 

Pois quando ele me trai,

te amar não é melhor 
que ter um cálculo renal

que nunca se extrai.

 

Meu amor não é normal.

Sem mãe, sem pai.
 

Mancomunado
Túlio Vilaça e Mauro Aguiar

Mancomunado com o mundo 
munido de tudo 

num dociracundo arado.

 

Mancomunado com o miúdo 

no desmando de campo 

ao antro atado.

 

Mancomunado com o profundo 

som, sobretudo o mudo 

o imaginado conteúdo.

 

Mancomunido de nada 

e cada vez mais atado a tudo 

manteúdo e condoído dom.

 

Mancomunado com o miúdo 

no desmando de campo 

ao antro atado.

 

Mancomunado e vagabundo 

oriundo de um lugar

onde um rotundo não 

é desde sempre dado.

 

Mancomunado com o comum 

e com o cúmulo, 

mancomunado.

Salto Agulha      
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

De salto agulha

Ela me tritura.

A cada passo em falso dela

Eu subo num cadafalso

No tablado

E ali acorrentado

Aos pés daquela

Que pisa leve na área

Da minha coronária

Morro de bom grado.

 

De scarpin na carrasqueira

Ela é maneira

Voa, salta, repinica

Ao som do samba

E como anda bela

Abrindo janelas

Nos olhares

Dos meus pares

Pantera dos safaris

Só na dela.

 

Do salto ela não desce

Nem atende à minha prece

Profana

Aos pés da cama

Me olha de cima

Sente o clima

Curte a fama

 

De salto agulha

Ela mergulha

E o meu coração

Se derrama.

Bonde Iorubá 
Mário Sève e Mauro Aguiar

Cada afoxé

Bonde iorubá

Lambe a ladeira na beira do mar.

 

Põe candomblé

Pra passear

Mantra do negro mais lindo de Uganda.

 

Bate afoxé

Gandhi orixá

Lembra da estiva indiana ijexá.

 

Praça da Sé

Só de Oxalá

Que o delirante turbante é quem manda.

 

Cada afoxé

Gosta de andar

Com liberdade tocando adjá.

 

E em Nazaré

Imaginar

Ganges vem vindo arrastando a sandália.

 

Paz de afoxé

Pode durar

Cinco mil anos sem se incomodar.

 

Batucajé

Batuca já

Místico toque calando a metralha.

 

Ô Orixá

Mega star

Desce do céu nagô

E vem pra cá bem suar

 

Ô Orixá

Queira entrar

Vem pra trazer axé

Para andar “té” Calcutá.

Startrek de Tacape    
Chico Saraiva e Mauro Aguiar

Baita epidemia!

Quanta dinamite no paiol.

Haja terapia!

Nas vias

De fato

Pujilato

À luz do sol.

 

Que temperatura!

Tem siricotico no metrô

Haja acupuntura!

Válvula de escape

É piripaque

E muita tarja preta,

Ou faixa preta em tae-ken-dô.

Esse startrek de tacape não capta muito amor.

 

Se acaso o trânsito estanca

O austrolopiteco salta da caixa preta.

Resta jogar na retranca

Enquanto o sacripanta tem ataque de pelanca.

E não guardar rancor;

Basta encarar o tal brucutu com humor.

Cabô, cabô, cabô, cabô

Não vou jogar na cara esse vírus de gladiador.

 

Que sufocante atmosfera!

Que periclitante megaton!

Quanta besta-fera!

Animal high-tec

Acha até

Que isso é bom.

 

Que taquicardia

Baita urucubaca que pegô

Haja academia!

Na pulsão

De Marte

Nego parte

Pro combate e fica.

E a coisa fica na pior.

Esse startrek de tacape só capta quiprocó.

 

É tanto siri na lata

Que muito arranca-toco tira o próprio da reta.

Festa de psicopata,

Se a gente engata a ré o tiro sai pela culatra.

Então faça um favor,

Preste atenção no que agora quero propor:

Amor, Amor, Amor, Amor.

Não vou manter na pauta esse papo de exterminador.

Eu vou mandar na lata

E quem pegar pegou.

Quem quer eletrochoque se atraque com o computador

Quem quer fazer catarse:

amor, amor, amor.

Quem é assim mais punk que jogue no ventilador.

Mas não me vá cair do andor....

Segundo Ato
Rodrigo Lessa e Mauro Aguiar

Há de haver mais sentimento

Mesmo os dois num labirinto

Mesmo quando todo amor desmoronar

E um desatento decretar o amor extinto.

 

Basta ver no céu cinzento

Um disfarce do infinito

(Pois) Todo desenlace guarda quieto a contraface do que cedo se desfaz.

 

Mas então pra que trancar no coração

Esse amor tão mal desfeito?

Esse teu veredicto é vão.

Por que não perdoar?

Por que não relevar,

E tentar outra vez me entender?

 

Sei que desse jeito amar será melhor.

Um segundo ato enfim.

 

Doce labirinto, infinito afeto.

Não crer jamais

No fim.

 

Amor incompleto não tem cabimento,

Melhor voltar

Pra mim.

Cocada Preta      
Edu Kneip e Mauro Aguiar

A minha boca resolveu ter quatro patas

Em todas quatro , quatro pedras pra jogar

A minha voz parece um bom tapa na cara

E a minha tara é só de um dia te encontrar

 

A tua jura feita da boca pra fora

Já tô me achando no direito de cobrar

Eu me cansei de fincar pé no “tô por fora”

Que atitude as vezes é bom de tomar.

 

E não me vem com sua voz de celofane renoir

Nem chama  mais um peru de fora pra piar

Devolve o tapete que você puxou no ar

Beijos e o cacete a quatro que dei sem pensar.

 

Por trás da cortina

Bem ladina

Tu esconde

A minha sina que não fez questão de usar.

 

A minha pata resolveu ter quatro bocas

Em cada boca, quatro línguas pra xingar

presta atenção não sou maria-vai-com-as-outras

Você podia ao menos me considerar.

 

Na tua boca qualquer jura sai mal feita

enfeita o passe mas esquece de chutar

Já resolvi esconjurar tua desfeita

Que atitude as vezes é bom de tomar.

 

E não me vem com sua voz de celofane renoir

Nem chama  mais um peru de fora pra piar

Devolve o tapete que você puxou no ar

Beijos e o cacete a quatro que dei sem pensar.

 

Nesse figurino

Bem ladino

Tu esconde

O meu destino que não fez questão de usar.

 

Não adianta eu quero

Tudo que você me prometeu

Dá meu trono que o rei sou eu!

 

Cocada preta pode até

Cantar de galo pra reinar

Mas quando foi ver derreteu. ah! ah!

Lua Intrusa   
Eduardo Neves e Mauro Aguiar

De surpresa é bem melhor.

Luminosa ilusão

Já sou sua presa:

Crime de lesa coração.

Rouba o meu e sai ilesa

Deixando acesa a solidão.

Por sua causa

Fiquei na mesma,

No chão.

 

Se desprezo essa visão

Ardilosa e malsã,

Nem olha onde pisa,

Me paralisa o amanhã.

Nubla o sol e vira a mesa

Com tal  destreza de artesã...

Num cataclisma

Qualquer certeza

É vã.

 

Preciosamente intrusa.

Preguiçosamente escusa.

Goza no meu gozo em brasa.

Quase nunca dosa a coisa;

Quanto mais me quer, me arrasa

Quanto mais me tem, me abusa

repousando na proeza

dessa profundeza rasa.

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